sábado, 26 de setembro de 2009

MEIO AMBIENTE

Qual será o futuro de nossos netos?

Olhando meus netos brincando no jardim, saltitando como cabritos, rolando no chão e subindo e descendo árvores surgem-me dois sentimentos. Um de inveja: já não posso fazer nada disso com as quatro próteses que tenho nos membros inferiores. E outra de preocupação: que mundo irão enfrentar dentro de alguns anos?

Os prognósticos dos especialistas mais sérios são ameaçadores. Há uma data fatídica ou mágica sempre aventada por eles: o ano 2025. Quase todos afirmam: se nada fizermos ou não fizermos o suficiente já agora, a catástrofe ecologicohumanitária será inevitável.

A recuperação lenta que se nota em muitos países da atual crise economicofinanceira, não significa ainda uma saída dela. Apenas que a queda livre se encerrou. Volta o desenvolvimento/crescimento mas com outra crise: a do desemprego. Milhões estão sendo condenados a serem desempregados estruturais. Quer dizer, não irão mais ingressar no mercado de trabalho, sequer ficarão como exército de reserva do processo produtivo. Serão simplesmente dispensáveis. Que significa ficar desempregado permanentemente senão uma lenta morte e uma desintegração profunda do sentido da vida? Acresce ainda que estão prognosticados até àquela data fatídica cerca de 150 a 200 milhões de refugiados climáticos.

O relatório “State of the Future 2009”(O Globo de 14.07/09) feito por 2.700 cientistas diz, enfaticamente, que devido principalmente ao aquecimento global, por volta de 2025, cerca de três bilhões de pessoas não terão acesso à água potável. Que significa dizer isso? Simplesmente que esses bilhões, se não forem socorridos, poderão morrer por sede, desidratação e outras doenças. O relatório diz mais: metade da população mundial estará envolvida em convulsões sociais em razão da crise sócio-ecológica global.

Paul Krugman, prêmio Nobel de economia de 2008, sempre ponderado e crítico quanto à insuficiência das medidas para enfrentar a crise socioambiental, escreveu recentemente: “Se o consenso dos especialistas econômicos é péssimo, o consenso dos especialistas das mudanças climáticas é terrível” (JB 14/07/09). E comenta: “Se agirmos da mesma forma como agimos, não o pior cenário mas o mais provável, será a elevação de temperaturas que vão destruir a vida como a conhecemos.”

Se provavelmente assim será, minha preocupação pelos netos se transforma em angústia: que mundo herdarão de nós? Que decisões serão obrigados a tomar que poderão significar para eles vida ou morte?

Comportamo-nos como se a Terra fosse só nossa e de nossa geração. Esquecemos que ela pertence principalmente aos que ainda virão, nossos filhos e netos. Eles têm direito de poder entrar neste mundo, minimamente habitável e com as condições necessárias para uma vida decente que não só lhes permita sobreviver mas florescer e irradiar.

Os cenários referidos acima nos obrigam a soluções que mudam o quadro global de nossa vida na Terra. Não dá para continuar ganhando dinheiro com a venda do direito de poluir (créditos de carbono) e com a economia verde. Se o gênio do capitalismo é saber adaptar-se a cada circunstância, desde que se preservem as leis do mercado e as chances de ganho, agora devemos reconhecer que esta estratégia não é mais possível. Ela precipitaria a catástrofe previsível.

Para termos futuro devemos partir de outras premissas: ao invés da exploração, a sinergia homem-natureza, pois Terra e humanidade formam um único todo; no lugar da concorrência, a cooperação, base da construção da sociedade com rosto humano.

Dão-me alguma esperança os teóricos da complexidade, da incerteza e do caos (Prigogine, Heisenberg, Morin) que dizem que em toda a realidade funciona a seguinte dinâmica: a desordem leva à auto-organização e à uma nova ordem e assim à continuidade da vida num nível mais alto.” Porque amamos as estrelas não temos medos da escuridão.

Leonardo Boff é co-autor com Mark Hathaway de The Tao of Liberation. En Exploration of Ecology of Transformation, N.York a sair em breve.

Ilustração de Jasiel Botelho

domingo, 20 de setembro de 2009

Missão integral e missão transcultural*




René Padilla

O entendimento tradicional da missão, que tomou forma no movimento missionário moderno especialmente a partir do final do século 18, concebia missão essencialmente em termos geográficos: era quase sempre atravessar as fronteiras geográficas com o propósito de levar o evangelho desde o “mundo ocidental e cristão” aos “campos missionários” do mundo não cristão (os países pagãos). Falar de missão era falar de missão transcultural, para salvar almas e plantar igrejas, principalmente no exterior. Os agentes dessa missão eram primordialmente os missionários estrangeiros que se sentiam chamados por Deus para o campo missionário.

Apesar das deficiências desse conceito de missão, devemos ser gratos pelo labor desses missionários tradicionais (a Deus seja a glória). Entretanto precisamos reconhecer que o fato de identificarmos a missão da igreja com o modelo de missão transcultural, deu lugar a pelo menos quatro tipos de dicotomias que têm afetado a igreja negativamente: 1) entre igrejas que enviam missionários (a maioria no mundo ocidental cristão) e igrejas que recebem missionários (quase que exclusivamente nos países do chamado Terceiro Mundo: Ásia, África e América Latina); 2) entre o “lar”, localizado em algum país do “mundo ocidental” e o “campo missionário”, localizado em algum país pagão; 3) entre os missionários chamados por Deus a servir e cristãos comuns, que podem desfrutar dos benefícios da salvação, mas estão exonerados de participar no que Deus faz no mundo; 4) entre a vida e a missão da igreja.

Todas essas dicotomias vinham da redução da missão a um esforço missionário transcultural. E como conseqüência delas, a missão era primordialmente da evangelização que levavam a cabo os missionários enviados de países cristãos aos campos missionários do mundo, com a qual cumpriam representativa ou vicariamente a tarefa missionária de toda a igreja.

Já a missão integral entende que a missão pode ou não envolver a travessia de fronteiras geográficas, mas tem a ver primordialmente com a travessia da fronteira entre a fé e a não-fé, seja em casa ou no exterior, em função do testemunho sobre Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação. Cada geração de cristãos em todo lugar recebe o poder do Espírito que torna possível o testemunho do evangelho “tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, até os confins da terra” (At 1.8). Então, cada igreja, seja qual for sua localização, está chamada a participar na missão de Deus — uma missão que tem alcance local, regional e mundial — começando em sua própria “Jerusalém”. Para cruzar a fronteira entre a fé e a não-fé, o cruzamento de fronteiras geográficas é fator secundário. O compromisso com a missão está na essência do ser igreja e esta se compromete de fato com a missão quando se propõe a comunicar o evangelho mediante tudo o que “é, faz e diz”. É a encarnação dos valores do reino de Deus e testificar do amor e da justiça revelados em Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo, em vistas da transformação da vida humana em todas as suas dimensões, tanto pessoais quanto comunitárias.

O cumprimento desse propósito pressupõe que todos os membros da igreja, apenas pelo fato de terem sido integrados ao Corpo de Cristo, recebem dons e ministérios para o exercício de seu sacerdócio, para o qual foram “ordenados” mediante seu batismo. A missão não é responsabilidade e privilégio de um pequeno grupo de fiéis que se sintam chamados ao campo missionário, e sim de todos os membros, já que formam o “sacerdócio real” e foram chamados por Deus “para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9) onde quer que se encontrem.

Concebido nesses termos, este “novo paradigma para a missão” não é tão novo: é, na verdade, uma recuperação do conceito bíblico de missão, já que, de fato, a missão é fiel ao ensino das Escrituras na medida em que se coloca a serviço do reino de Deus e sua justiça. Conseqüentemente, põe-se o foco no cruzamento da fronteira ente a fé e a não-fé não somente em termos geográficos, mas também em termos culturais, étnicos, sociais, econômicos e políticos com o fim de transformar a vida em todas as suas dimensões, segundo o propósito de Deus, de modo que todas as pessoas e comunidades humanas experimentem a vida abundante que Cristo lhes oferece. Assim, a missão integral resolve as dicotomias mencionadas das seguintes maneiras: 1) Pelo menos em princípio, todas as igrejas enviam e todas as igrejas recebem. Todas as igrejas possuem algo para ensinar e algo para aprender das outras. O caminho que a missão segue não é de um só sentido — dos países “cristãos” aos “pagãos” — , é um caminho de mão dupla; 2) Todo o mundo é campo missionário, e cada necessidade humana é uma oportunidade de ação missionária. A igreja local é chamada a manifestar o reino de Deus em meio aos reinos do mundo não somente pelo que diz, mas também pelo que é e por tudo o que faz em resposta às necessidades humanas ao seu redor; 3) Todo cristão está chamado a seguir a Jesus Cristo e a comprometer-se com a missão de Deus no mundo. Os benefícios da salvação são inseparáveis de um estilo de vida missionário, e isto implica, entre outras coisas, o exercício do sacerdócio universal dos crentes em todas as esferas da vida humana segundo os dons e ministérios que o Espírito de Deus outorgou livremente ao seu povo; 4) A vida cristã em todas as suas dimensões, no nível pessoal e comunitário, é o testemunho primordial da soberania universal de Jesus Cristo e do poder transformador do Espírito Santo. A missão é muito mais do que palavras: tem a ver com qualidade de vida – se demonstra na vida que recupera o propósito original de Deus para a relação do ser humano com o Criador, com o próximo e com a criação.

Em conclusão, a missão integral é o meio designado por Deus para levar a cabo na história, por meio da igreja e no poder do Espírito, seu propósito de amor e justiça revelado em Jesus Cristo.

Nota
* Traduzido por Fabrício Cunha e Ricardo Wesley Borges. Veja o texto completo em <www.forumjovemdemissaointegral.org>.

Igreja de Cristo em Frecheirinha