quinta-feira, 28 de abril de 2011

Deus Não Nos Livre de um Brasil Evangélico

 

Uma primeira constatação é que estamos ainda distantes de ser um “país evangélico”: quarenta milhões da população é formada por miseráveis; uma insegurança pública generalizada; uma educação pública de faz-de-conta; uma saúde pública caindo aos pedaços, assim como as nossas estradas, a corrupção endêmica no aparelho do Estado, o consumo da droga ascendente, prostituição, discriminação contra os negros e os indígenas, infanticídio no ventre, paradas de orgulho do pecado, uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Uma grande distância do exemplo de vida e dos ensinamentos de Jesus de Nazaré, cujas narrativas e palavras somente conhecemos por um livro chamado de Bíblia, que o mesmo citava com frequência, e que foi organizado por uma entidade fundada pelo próprio: uma tal de Igreja. Uma grande distância da ética e da “vida abundante” apregoada pelas Boas Novas, o Evangelho.

Percebemos sinais do sagrado cristão em nossa História e em nossa Cultura, mas, no geral, ficando na superfície. Se os símbolos importassem tanto, o Rio de Janeiro, com aquela imensa estátua do Cristo Redentor, deveria ser uma antecâmara do Paraíso.

Como cidadão responsável, e como cristão, como eu gostaria que o meu País fosse marcado pela justiça, pela segurança, pela paz, fruto do impacto das Boas Novas, do Evangelho. Sinceramente, gostaria muito que tivéssemos um Brasil mais evangélico.

Fico feliz que Deus não tenha nos livrado da imigração dos protestantes alemães, suíços, japoneses, coreanos, e tantos outros. Fico feliz pelo seu trabalho e por sua fé.

Fico feliz por Deus não nos ter livrado do escocês Robert R. Kalley, médico, filantropo e pastor escocês, fugindo do cacete na Ilha da Madeira (Portugal), pioneiro da pregação do Evangelho entre nós, nos deixando as igrejas congregacionais. Ele nem era norte-americano, nem fundamentalista, pois esse movimento somente surgiria meio século depois. Eram norte-americanos, e também não-fundamentalistas os pioneiros das igrejas presbiteriana, batista, metodista e episcopal anglicana que vieram ao Brasil na segunda metade do século XIX.

Fico feliz por Deus não nos ter livrado desses teimosos colportores que varavam os nossos sertões sendo apedrejados, vendendo aquelas Bíblias “falsas”, cuja leitura, ao longo do tempo, foi tirando gente da cachaça e dos prostíbulos, reduzindo os seus riscos de câncer de pulmão, cuidando melhor de sua família, como trabalhadores e cidadãos exemplares.

Fico feliz por Deus não ter nos livrado desses colégios mistos, desses colégios técnicos (agrícolas, comerciais e industriais), trazidos por esses missionários estrangeiros, em cujo espaço confessei a Jesus Cristo como meu único Senhor e Salvador. E, é claro, tem muita gente agradecendo a Deus por não nos ter livrado do voleibol e do basquetebol introduzido pioneiramente nesses colégios... nem pelo fato do apoio à Abolição da Escravatura, à República ou ao Estado Laico.

Por essas e outras razões, é que vou comemorar (com uma avaliação crítica) com gratidão, dentro de seis anos, os 500 anos da Reforma Protestante do Século XVI, corrente da Cristandade da qual sou militante de carteirinha desde os meus dezenove anos.

Essa gratidão ao Deus que não nos livrou dos protestantes de imigração e dos protestantes de missão, inclui, sinceramente, os protestantes pentecostais, herdeiros daquela igreja original, dirigida por um negro caolho (afro-descendente portador de deficiência visual parcial, na linguagem do puritanismo de esquerda, conhecido por“politicamente correto”)..., mas que abalaria os alicerces religiosos do mundo. Eu mesmo sou um velho mestiço brasileiro e nordestino, e não me vejo como um ítalo-luso-afro-ameríndio de terceira idade...

Olhando para o termo “evangélico”, usado sistematicamente na Inglaterra, a partir de meados do século XIX, como uma confluência da Reforma e de alguns dos seus desdobramentos, como o Confessionalismo, o Puritanismo, o Pietismo, o Avivalismo e o Movimento Missionário, com paixão missionária pelo Evangelho que transforma, dou graças a Deus que Ele não nos tenha livrado da presença dos seus seguidores e propagadores. Até porque, por muito tempo, não tivemos presença fundamentalista (no sentido posterior) e nem do liberalismo, pois esses últimos são bons de congressos e revoluções de bar, mas não muito chegados a andar de mulas por sertões nunca antes trafegados...

Minha avó é quem dizia que “toda família grande vira mundiça”, se referindo ao fato de que quando qualquer instituição, grupo ou movimento social cresce, é inevitável que ao lado do crescimento do trigo haja um aumento significativo do joio. Nesse sentido, o protestantismo e o evangelicalismo brasileiro são normais (com desvios e esquisitices), mas, garanto que temos muitíssimo mais trigo (às vezes armazenados nos celeiros, quando deveriam estar sendo usados nas padarias). No meu tempo só tinha crente militante e desviado; depois apareceram os descendentes, os nominais, os de IBGE, os bissextos e os ocasionais.

No sentido histórico dou graças a Deus pelo localizado movimento fundamentalista nos Estados Unidos, em reação ao racionalismo liberal, pois também afirmo a autoridade das Sagradas Escrituras, o nascimento virginal, a cruz expiatória, o túmulo vazio e a volta do Senhor. Depois o termo foi distorcido por um movimento sectário, antiintelectual, racista, e hoje é aplicado até ao Talibã, em injustiça à proposta original

Quanto ao Tio Sam, nem todo republicano é evangélico, nem todo evangélico é republicano, embora, de época para época, haja deslocamentos religiosos-políticos naquele país. Eu mesmo não tenho muita simpatia (inclusive aqui) pelo Partido do Chá (Tea Party), pois tenho longa militância no Partido do Café e no Partido do Caldo de Cana com Pão Doce.

A Queda do Muro de Berlim assinalou o ocaso da modernidade e o início de uma ainda confusa pós-modernidade, com a mundialização da cultura anglo-saxã, no que tem de bom e no que tem de mau, mas, como nos ensina Phillip Jenkins, a Cristandade está se deslocando do hemisfério Norte para o hemisfério Sul, e, inevitavelmente, revelamos nossas imaturidades, que devem e podem ser superadas.

Agora, todo teólogo, historiador ou sociólogo da religião sérios, perceberá a inadequação do termo “protestante” ou “evangélico” (por absoluta falta de identificação caracterizadora) com o impropriamente chamado “neo-pentecostalismo”, na verdade seitas para-protestantes pseudo-pentecostais (universais, internacionais, mundiais, galáxicas ou cósmicas), e que é algo perverso e desonesto interpretar e generalizar o protestantismo, e, mais ainda, o evangelicalismo brasileiro, a partir das mesmas.

O avanço do Islã e a repressão aos cristãos onde eles dominam é um “óbvio ululante”, a defesa da vida em relação ao aborto, à eutanásia, aos casais que não querem ter filhos, ao homossexualismo, o atentado ao meio ambiente (“cultura da morte”) é coerente com o princípio da Missão Integral da Igreja na “defesa da vida e da integridade da criação”.

A identidade evangélica se faz por um rico conteúdo e não por antagonismo ou relação reativa a conjunturas.

Sabemos que o mundo jaz do maligno, que o evangelho será pregado a todo ele, mas não que todos venham a se converter, e que descendentes de cristãos nem sempre continuam nessa fé. Assim, o Brasil nunca será um País totalmente cristão, protestante ou evangélico, mas creio que será bem melhor com uma Igreja madura que, sem fugas alienantes, adesismos antiéticos ou tentações teocráticas, possa “salgar” e “iluminar”com os valores do Reino.

Para isso necessitamos (na lícita diversidade protestante quanto a aspectos secundários e periféricos) de líderes sólidos e firmes, vestindo a camisa do nosso time com entusiasmo e garra para o jogo, sem se perderem em elucubrações estéreis, de quem já perdeu a fé na Palavra, não acredita mais na Queda, nem na Redenção, nem na singularidade de Cristo, deixando uma geração órfã de heróis.

Assim, espero que Deus não nos livre dessa presença cultural transformadora; que Deus não nos livre de ser, cada vez mais, um País evangélico.

A Ele, Onipotente, Onisciente e Onipresente, Senhor do Universo e da História, com os anjos e arcanjos, coma Igreja Triunfante e a Igreja Militante, intercedendo por todos que atravessam crises espirituais, seja toda a honra e toda a glória!

Paripueira (AL), 27 de abril de 2011,

Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose

Bispo Diocesano

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texto retirado do site da COMUNHÃO ANGLICANA – DIOCESE DO RECIFE

sábado, 23 de abril de 2011

Para todos que choram

Carta aberta da Rede FALE sobre as mortes acontecidas na escola Tasso da Silveira em Realengo, Rio de Janeiro.

Chorar é um ato radical, é o clamor da alma. É derramar a mais pura essência do sentimento em gotas cálidas de emoção. Sim, sabemos que alguns choram de alegria, e que elas podem expressar o nascimento de uma criança, porém hoje vertemos lágrimas por pequeninos tiveram suas vidas ceifadas tragicamente.

Não há palavras que traduza o nó na garganta ante a barbárie vivida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. É inaceitável pensar na ideia de que crianças sejam alvo de tamanha brutalidade. Porém é mais inaceitável ainda que alguém tenha acesso tão fácil a armas e munição.

A transbordante violência acontecida nesse ato louco é tão somente o sintoma de algo que é visto em proporções menores todos os dias. Pessoas de todas as idades morrem cotidianamente em nossas cidades vitimadas por armas de fogo. Muitas dessas armas letais chegam na mão de qualquer um porque ainda há uma grande circulação delas e falta de fiscalização do estado. É comprovado que a presença delas nos lares faz também aumentar grandemente as chances de acidentes, suicídios e homicídios culposos ou mesmo dolosos, em vez de servir como mecanismo de defesa.

Em 2005 (ano do referendo sobre o desarmamento), a Rede FALE mobilizou-se com a campanha FALE PELO DESARMAMENTO que, entre outras reivindicações, pedia a adoção de medidas rigorosas para o controle da produção, importação, exportação e circulação de armas de fogo e munição em nosso país, fiscalizando-se também, com maior eficiência, as empresas de segurança privada e polícias, a fim de serem coibidos os desvios de armamentos para organizações criminosas e a imprescindível proibição do comércio de armas para a população civil.

Na disputa do referendo sobre o comércio de armas, os vencedores coordenaram a campanha do VOTO contrário ao desarmamento, foram bancados pela indústria de armas e deram a falsa ideia de que votar “Sim” seria o mesmo que favorecer os criminosos. Hoje a maioria dos crimes e assassinatos são praticados com armas provenientes do mercado legal, prova cabal de que tal alegação não passava de sofisma.

A Bíblia afirma que Deus enxugará dos olhos todas as lágrimas. Sim, é verdade... Mas muitas dessas lágrimas poderiam ser evitadas! Até quando instrumentos de morte serão fabricados com a desculpa de trazer segurança? Quantas outras vítimas involuntárias irão tombar para que nossa gente tome consciência do poder destrutivo das armas? Quantos “brasileirinhos e brasileirinhas” ainda terão suas vidas tomadas pelo terror que nos cerca enquanto o estado brasileiro teima em não criar políticas públicas que fortaleçam uma cultura de paz?

A Rede FALE se manifesta em favor da vida. Para todos que também choram conosco diante da violência acontecida em Realengo, nossa mensagem é:

Chorar é um estado de alma, é ser plenamente humano e totalmente divino. É um bem espiritual que Deus nos dá. É a capacidade de sentir numa época onde a lógica é ter peito de pedra e coração de latão. Felizes são os que choram, pois deles é o Reino de um Deus que por meio do seu sangue reconcilia toda a sua criação. Queremos convocar todos vocês que orem junto conosco para que nosso país converta “...suas espadas em relhas de arado, e as suas lanças em foices”(Isaías 2:4).

Em Cristo, o Príncipe da paz.

Caio Marçal – Secretário de Mobilização Nacional da Rede FALE e Missionário da Igreja de Cristo de Fecheirinha

mobilizacao@fale.org.br

Twitter: @redefale